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domingo, 14 de agosto de 2011

PAI NOSSO UMBANDISTA .


PAI NOSSO QUE ESTAIS NOS CÉUS,
NAS MATAS, NOS MARES E EM TODOS
OS MUNDOS HABITADOS.
SANTIFICADO SEJA O TEU NOME,
PELOS TEUS FILHOS, PELA NATUREZA,
PELAS ÁGUAS, PELA LUZ E PELO AR
QUE RESPIRAMOS.
QUE O TEU REINO, REINO DO BEM,
DO AMOR E DA FRATERNIDADE,
NOS UNA À TODOS E A TUDO QUE
CRIASTES, EM TORNO DA SAGRADA
CRUZ, AOS PÉS DO DIVINO SALVADOR
E REDENTOR.
QUE A TUA VONTADE NOS
CONDUZA SEMPRE PARA O CULTO DO
AMOR E DA CARIDADE.
DAI-NOS HOJE E SEMPRE A
VONTADE FIRME PARA SERMOS
VIRTUOSOS E ÚTEIS AOS NOSSOS
SEMELHANTES.
DAI-NOS HOJE O PÃO DO CORPO,
O FRUTO DAS MATAS E A ÁGUA
DAS FONTES PARA O NOSSO SUSTENTO
MATERIAL E ESPIRITUAL.
PERDOA, SE MERECERMOS,
AS NOSSAS FALTAS E DÁ O SUBLIME
SENTIMENTO DO PERDÃO PARA OS
QUE NOS OFENDAM.
NÃO NOS DEIXEIS SUCUMBIR,
ANTE A LUTA, DISSABORES, INGRATIDÕES,
TENTAÇÕES DOS MAUS ESPÍRITOS E
ILUSÕES PECAMINOSAS DA MATÉRIA.
ENVIAI-NOS, PAI, UM RAIO DE
TUA DIVINA COMPLACÊNCIA, LUZ E
MISERICÓRDIA PARA OS TEUS FILHOS
PECADORES QUE AQUI HABITAM,
PELO BEM DA HUMANIDADE, NOSSA IRMÃ.
ASSIM SEJA.

Maria Conga.


Cenas de exaustivo trabalho em plantações de cana. É nisso que Vovó Maria Conga parece estar constantemente envolvida. Gosta de doces, cocada branca em especial, mas não dá demonstrações de ter sido esta sua principal ocupação na encarnação como escrava.
Sentada em um toco de madeira no terreiro contou, certa vez, alguns fatos de sua vida em terra brasileira.
Começou dizendo que só o fato de podermos conviver com nossos filhos é uma grande dádiva. Naquele tempo as negras eram destinadas, entre outras coisas, a procriar, a gerar filhos que delas eram afastados muito cedo, até mesmo antes de serem desmamados. Outras negras alimentavam sua cria, assim como tantos outros “filhotes” foram alimentados pela Mãe Conga. Quase todas as mulheres escravas se transformavam em mães; cuidavam das crianças que chegavam à fazenda, rezando para que seus próprios filhos também encontrassem alento aonde quer que estivessem.
Os orixás africanos, desempenhavam papel fundamental nesta época. Diferentes nações africanas que antes guerreavam, foram obrigadas a se unir na defesa da raça e todos os orixás passaram a trabalhar para todo o povo negro. As mães tomavam conhecimento do destino de seus filhos através das mensagens dos orixás. Eram eles que pediam oferendas em momentos difíceis e era a eles que todos recorriam para afastar a dor.
Maria Conga teve que se utilizar de algumas “mirongas” para deixar de ser uma reprodutora, e assim, pelo fato de ainda ser uma mulher forte, restou-lhe a plantação de cana. A colheita era sempre motivo para muito trabalho e uma espécie de algazarra contagiava o lugar. Enquanto as mulheres cortavam a cana, as crianças, em total rebuliço, arrumavam os fardos para que os homens os carregassem até o local indicado pelo feitor. Foi numa dessas ocasiões que Maria Conga soube que um dos seus filhos, afastado dela quando já sabia andar e falar, era homem forte, trabalhando numa fazenda próxima.
Seu coração transbordou de alegria e nada poderia dissuadi-la da idéia de revê-lo. Passou então a escapar da fazenda, correndo de sol a sol, para admirar a beleza daquele forte negro. Nas primeiras vezes não teve meios de falar com ele, mas os orixás ouviram suas súplicas e não tardou para que os dois pudessem se abraçar e derramar as lágrimas por tanto tempo contidas. Parecia a ela que eles nunca tinham se afastado, pois o amor os mantivera unidos por todo o tempo.
Certa tarde, quase chegando na senzala, a negra foi descoberta. Apanhou bastante, mas não deixou de escapar novamente para reencontrar seu filho. Mais uma vez os brancos a pegaram na fuga, e como ela ainda insistisse uma terceira vez resolveram encerrar a questão: queimaram sua perna direita, um pouco acima da canela, para que ela não mais pudesse correr.
Impossibilitada de ver o filho, com menor capacidade de trabalho, a Vó Maria Conga passou a cuidar das crianças negras e de seus doentes. Seu coração se encheu de tristeza ao saber que haviam matado seu filho quando tentava fugir para vê-la. Sua vida mudou. De alegre e tagarela passou a ser muito séria, cuidando do que falavaaté mesmo com os outros negros. Para as crianças contava histórias de reis negros em terras negras, onde não havia outro senhor. Sábia, experiente e calada, Vovó Maria Conga desencarnou.
Com lágrimas na alma ela acabou seu conto. Disse que só entendeu a medida do amor após a sua morte. Seu filho a esperava sorrindo, guardião que fora da mãe o tempo todo em que aguardava seu retorno ao mundo dos espíritos.

Maria Conga



O tesouro cultural que Magé desconhece. No meio do caminho entre a Baixada Fluminense e a Região Serrana, tendo como pano de fundo a Baía de Guanabara, o município de Magé, hoje praticamente uma cidade-dormitório, abriga um tesouro cultural, desconhecido, inclusive, por boa parte de seus 250 mil habitantes. Bem próximo ao Centro, lá está encravado o Morro da Maria Conga.
Ou melhor, a questão se tornou social por ter origens raciais, porque quando a mão-de-obra no Brasil teve que ser paga o negro foi alijado do mercado de trabalho, da lavoura, do artesanato. Quer dizer, os negros que, com sua mão-de-obra foram o sustentáculo da Coroa portuguesa, foram descartados quando seu trabalho teve que ser remunerado", historia Marcílio para quem o clã dos Cozzolino, oligarquia no poder há doze anos no município, procurou destruir todas as referências da cultura negra na região. Praça do Leilão - Em passeio com Marcílio pela cidade é possível conhecer preciosidades históricas como o Morro do Bonfim, rota de fuga dos negros em direção ao Quilombo de Maria Conga - que se transformava num campo de batalha quando os senhores dos escravos mandavam seus jagunços virem resgatá-los - e Piedade, tradicional bairro negro de Magé, onde os escravos montavam toda a sua estratégia de resistência. Neste bairro encontra-se a Praça do Leilão, antigo porto de desembarque escravo, onde ao chegar da África, os negros eram acorrentados no paredão.Ainda na Piedade há uma capela inteiramente construída por negros, além de um túnel, escavado por eles, que dá acesso ao Quilombo de Maria Conga, que morreu aos 95 anos de idade. Em 5 de outubro deste ano, sua morte completou cem anos.
Morte não, imortalidade", rebate Marcílio, lembrando uma célebre frase de Maria Conga, ao cair nas mãos de um senhor de escravo: "O senhor prendeu meu corpo, destruiu meus sonhos, mas não conseguiu alienar minha consciência de mulher negra".Segundo Marcílio, poeta, teatrólogo, fundador da Associação Cultural Negra de Nova Iguaçu e membro do Conselho das Entidades Negras do Interior, qualquer prefeito com o mínimo de visão cultural instalaria o Centro Administrativo de Magé em Piedade, verdadeiro berço do município. "Para se ter uma ideia da perversidade dos donos de escravos, antes de serem distribuídos pelas fazendas da região eles eram separados pelo critério da procedência religiosa e étnica. Para evitar articulações de resistência, separavam os Iorubás, os Gegi, os de Angola, ou seja, dois escravos de uma mesma nação não dividiam a mesma fazenda", recorda.Quando o assunto é o atual estágio da luta das comunidades negras do Brasil para enfrentar a discriminação racial, Marcílio não esconde seu pessimismo. "O problema é que destruíram nossa cultura, nossa religião. Hoje se você chama dois negros para integrar qualquer coletivo negro, eles já querem logo ter papel de destaque.
Têm necessidade de mostrar para o branco que são bonzinhos, que são os mais inteligentes, os melhores. Então, são logo cooptados pelo branco.Também os negros que possuem projeção social e política pouco têm feito para organizar pra valer a nossa raça".Marrom-bombom - Traçando um paralelo entre as formas de racismo da África do Sul e do Brasil, Marcílio põe o dedo na ferida, denunciando que a diferença fundamental é que no país de Nelson Mandela os negros sabem quem são seus inimigos, que atuam à luz do dia, enquanto aqui muitas vezes tudo é feito de forma velada.
No Brasil eles atiram pelas costas e para agravar o quadro os negros brasileiros que poderiam estar na linha de frente da organização da raça, preferem ser bem recebidos e assimilados pela elite branca. São os marrom-bombons".Mas, como resistir é preciso, mesmo enfrentando a avalanche da especulação imobiliária, os remanescentes do Quilombo de Maria Conga, descendentes de escravos guerreiros e libertários, estão presentes na paisagem do morro, peitando a Altair Imobiliária e construindo suas casas de alvenaria.Aliás, soa no mínimo esquisito o fato de uma empresa pública como a Telerj manter uma repetidora no alto de Maria Conga, quando a atual Constituição garante a titulação das terras dos remanescentes dos Quilombos de todo o Brasil.