O tesouro cultural que Magé desconhece. No meio do caminho entre a
Baixada Fluminense e a Região Serrana, tendo como pano de fundo a Baía
de Guanabara, o município de Magé, hoje praticamente uma
cidade-dormitório, abriga um tesouro cultural, desconhecido, inclusive,
por boa parte de seus 250 mil habitantes. Bem próximo ao Centro, lá está
encravado o Morro da Maria Conga.
Ou melhor, a questão se tornou social por
ter origens raciais, porque quando a mão-de-obra no Brasil teve que ser
paga o negro foi alijado do mercado de trabalho, da lavoura, do
artesanato. Quer dizer, os negros que, com sua mão-de-obra foram o
sustentáculo da Coroa portuguesa, foram descartados quando seu trabalho
teve que ser remunerado", historia Marcílio para quem o clã dos
Cozzolino, oligarquia no poder há doze anos no município, procurou
destruir todas as referências da cultura negra na região. Praça do
Leilão - Em passeio com Marcílio pela cidade é possível conhecer
preciosidades históricas como o Morro do Bonfim, rota de fuga dos negros
em direção ao Quilombo de Maria Conga - que se transformava num campo
de batalha quando os senhores dos escravos mandavam seus jagunços virem
resgatá-los - e Piedade, tradicional bairro negro de Magé, onde os
escravos montavam toda a sua estratégia de resistência. Neste bairro
encontra-se a Praça do Leilão, antigo porto de desembarque escravo, onde
ao chegar da África, os negros eram acorrentados no paredão.Ainda na
Piedade há uma capela inteiramente construída por negros, além de um
túnel, escavado por eles, que dá acesso ao Quilombo de Maria Conga, que
morreu aos 95 anos de idade. Em 5 de outubro deste ano, sua morte
completou cem anos.
Morte não, imortalidade", rebate Marcílio,
lembrando uma célebre frase de Maria Conga, ao cair nas mãos de um
senhor de escravo: "O senhor prendeu meu corpo, destruiu meus sonhos,
mas não conseguiu alienar minha consciência de mulher negra".Segundo
Marcílio, poeta, teatrólogo, fundador da Associação Cultural Negra de
Nova Iguaçu e membro do Conselho das Entidades Negras do Interior,
qualquer prefeito com o mínimo de visão cultural instalaria o Centro
Administrativo de Magé em Piedade, verdadeiro berço do município. "Para
se ter uma ideia da perversidade dos donos de escravos, antes de serem
distribuídos pelas fazendas da região eles eram separados pelo critério
da procedência religiosa e étnica. Para evitar articulações de
resistência, separavam os Iorubás, os Gegi, os de Angola, ou seja, dois
escravos de uma mesma nação não dividiam a mesma fazenda",
recorda.Quando o assunto é o atual estágio da luta das comunidades
negras do Brasil para enfrentar a discriminação racial, Marcílio não
esconde seu pessimismo. "O problema é que destruíram nossa cultura,
nossa religião. Hoje se você chama dois negros para integrar qualquer
coletivo negro, eles já querem logo ter papel de destaque.
Têm necessidade de mostrar para o branco que
são bonzinhos, que são os mais inteligentes, os melhores. Então, são
logo cooptados pelo branco.Também os negros que possuem projeção social e
política pouco têm feito para organizar pra valer a nossa
raça".Marrom-bombom - Traçando um paralelo entre as formas de racismo da
África do Sul e do Brasil, Marcílio põe o dedo na ferida, denunciando
que a diferença fundamental é que no país de Nelson Mandela os negros
sabem quem são seus inimigos, que atuam à luz do dia, enquanto aqui
muitas vezes tudo é feito de forma velada.
No Brasil eles atiram pelas costas e para
agravar o quadro os negros brasileiros que poderiam estar na linha de
frente da organização da raça, preferem ser bem recebidos e assimilados
pela elite branca. São os marrom-bombons".Mas, como resistir é preciso,
mesmo enfrentando a avalanche da especulação imobiliária, os
remanescentes do Quilombo de Maria Conga, descendentes de escravos
guerreiros e libertários, estão presentes na paisagem do morro, peitando
a Altair Imobiliária e construindo suas casas de alvenaria.Aliás, soa
no mínimo esquisito o fato de uma empresa pública como a Telerj manter
uma repetidora no alto de Maria Conga, quando a atual Constituição
garante a titulação das terras dos remanescentes dos Quilombos de todo o
Brasil.
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